Segundo terapeutas, um possível abusador dá pistas desde o início da relação, veja como entender os sinais e sair dessa
“Tira esse batom”, “sua roupa está muito curta”, “não gosto daquele seu amigo” são apenas algumas das frases ouvidas constantemente por mulheres que vivem um relacionamento abusivo. E, infelizmente, os dados mostram que esse tipo de relação muitas vezes acaba mal, chegando à morte da parceira, como nos inúmeros casos de feminicídio que são retratados diariamente na mídia.
Na maioria das vezes, porém, essas relações não começam de uma forma ruim. Ao contrário, podem até ter um bom começo, sem confrontos diretos, o que acaba confundindo a vítima e dificultando a identificação do problema. E, embora seja mais comum encontrar mulheres vítimas desse tipo de abuso, os homens também não estão isentos de sofrer na mão de um par bastante tóxico.
O terapeuta Sérgio Lima é especializado em relacionamentos abusivos
Como alertam os profissionais que atendem pessoas em relacionamentos abusivos, muitos deles começam com uma “explosão de amor”, onde o parceiro é atencioso, dedicado e coloca o cônjuge num pedestal. Porém, com o passar do tempo, a boa conduta dá lugar aos comportamentos hostis.
“Hoje nós precisamos pensar um pouco mais sobre como os relacionamentos abusivos têm acontecido. Ainda temos uma uma ideia muito arcaica e sempre associamos esses relacionamentos à violência física ou ao feminicídio. Mas isso é a ponta do iceberg, é o final trágico da história”, diz Sérgio Lima, terapeuta especializado em relacionamentos abusivos.
De acordo com Sérgio, esse tipo de relação tóxica se inicia de uma maneira aparentemente muito bonita, onde o abusador vai se apresentar na vida da pessoa como um príncipe encantado. “Nós chamamos isso de período do ‘bomb love‘, ou bombardeio de amor, quando, em pouco tempo, o parceiro vai realmente responder a todas as necessidades afetivas da vítima”, afirma o terapeuta.
“A pessoa vai se mostrar extremamente educada, solícita, vai fazer promessas de amor eterno mesmo com pouco tempo de relacionamento, promessas de casamento, de uma vida plena, de uma vida feliz. Vai se mostrar extremamente presente, chega com todo o afeto do mundo mesmo sem o casal se conhecer ainda muito bem”, observa Sérgio.
Mudança de comportamento
O problema, porém, é a mudança de comportamento: aos poucos, o parceiro abusivo começa a deixar de parecer o “príncipe encantado”, mostrando-se controlador e manipulador. E, como afirma Sérgio, depois que a vítima se entrega emocionalmente e afetivamente a essa pessoa, começa o que se chama de “período de humilhação”, caracterizado, em geral, por três formas de controle: estético, social e também, mais recentemente, digital.
No controle estético, o cônjuge abusivo pode começar a impedir o parceiro de usar roupas que usava antes, por julgá-las “chamativas demais”, assim como esmaltes, maquiagem, cortes de cabelo. “Começa a falar que o tipo de roupa que ela usa é de mulher de baixo calão, por exemplo”, diz Sérgio.
O controle social envolve a família e os amigos da vítima: de repente, ninguém do círculo mais próximo da pessoa parece prestar. “Nessa fase, o abusador começa a afastar a pessoa do seu convívio, a implicar com os amigos. Não permite que saia com família e até com os filhos, em alguns casos”, afirma o terapeuta.
Ou seja, o abusador começa a tirar a pessoa de seus meios sociais, como igreja, encontros com amigos, academia, e dá início a uma série de proibições e jogos emocionais, do tipo “se você me ama, você tem de se afastar dessa pessoa, desse grupo”, etc.
“Isso faz com que a vítima fique cada vez mais na mão do abusador. Junto com isso vem todo um processo de humilhação, com frases como ‘você não é mais tão bonita, não é mais tão interessante’”, luiza brunet comenta Sérgio. E a vítima, como agora está longe do seu grupo social, não consegue pedir ajuda e se sente impelida a resgatar a imagem do príncipe encantado do início, então começa a ceder a todos os pedidos abusivos do parceiro, sem conseguir reverter a situação.
Por fim, uma nova modalidade de controle exercida pelo abusador é o que o terapeuta define como “controle digital”. “Ele passa a tentar controlar as redes e mídias sociais da pessoa, como o que ela posta, quem curte, quem não curte. Muitas vezes, chega a pedir que o parceiro feche suas redes sociais”, afirma Sérgio.
Quebra da autoestima
A psicóloga Daniela Faertes, especialista em terapia cognitiva e mudança de comportamentos prejudiciais, destaca que toda a confusão provocada por essa mudança tão impactante no comportamento do parceiro abusador acaba gerando preconceito quando a vítima já está numa relação doentia e quer sair dela.
“Inicialmente, o namoro tem um tom apaixonado e vai se tornando abusivo. Por isso, às vezes, apresentamos alguns preconceitos sobre como a pessoa não percebeu essa situação desde o começo. No entanto, apesar do abusador revelar alguns comportamentos com o passar dos dias, o que vai torná-lo tóxico é a constância dessas ações”, explica a psicóloga.
O resultado desse tipo de relacionamento é extremamente prejudicial para a vítima, que, com o passar do tempo, começa a sofrer com baixa autoestima, depressão, ansiedade, doenças psicossomáticas, pânico.
“A pessoa chega a um estado de degradação mental. Muita gente perde o emprego, entra em crises financeiras. E nem sempre a violência física está presente nesse tipo de relacionamento. É importante entender que o que faz com que a pessoa esteja em um relacionamento abusivo é um controle psicológico e emocional. Portanto, jamais espere haver violência física para pedir ajuda ou ajudar alguém que esteja passando por isso”, orienta Sérgio.
É possível sair dessa
O assunto, embora ainda polêmico, tem sido cada vez mais abordado por profissionais da área, que buscam orientar possíveis vítimas a não apenas sair dos relacionamentos abusivos como a se recuperar plenamente das sequelas emocionais que podem deixar.
Terapeuta cognitivo comportamental e coach de relacionamentos, Sérgio passou anos ouvindo histórias e apoiando mulheres e homens que buscavam recuperar a autoestima e se abrir novamente a um relacionamento mais saudável após passarem por situações de abuso dentro do namoro ou casamento.
No final do ano passado, ele lançou o livro Viva! Vença Relacionamentos Tóxicos para servir como apoio e orientação a quem passa ou passou por essa situação em suas relações afetivas. Além disso, também vem publicando conteúdos sobre o tema há anos no canal Sabedoria Emocional, no YouTube, e, mais recentemente, também no Instagram para divulgar mais informações sobre relações tóxicas e como identificá-las rapidamente, antes que a paquera se transforme num pesadelo.
Como ter certeza de que as coisas não vão bem?
Uma das dicas fundamentais para notar se está num relacionamento abusivo é: comece a observar se você se sente em constante estado de tensão ou com medo.
Pessoas que pedem desculpas com frequência (inclusive, quando a culpa não é delas) e omitem determinadas situações para amigos e familiares, por vergonha ou medo do julgamento, podem estar vivenciando uma relação tóxica, por exemplo.
Outro sinal de alerta é notar se você passou a se isolar de outras pessoas e sente que a sua autoestima e autoconfiança estão diminuindo por conta do parceiro.
Pequenas frases, aparentemente inofensivas, vão minando a autoestima, como “você não vai dar conta disso” ou “fulano é bem melhor nisso que você”. Nessas situações, a vítima fica mais vulnerável e suscetível de se prender àquele relacionamento, achando que não conseguirá de desvencilhar e encontrar outra pessoa.
Quem vivencia isso diariamente, muitas vezes, não consegue sair desse cenário porque não acredita em sua capacidade, seja por dependência financeira, emocional ou por não ter uma rede de suporte estruturada.
Se está passando por isso, a primeira coisa que deve fazer é procurar ou retomar a rede de apoio social que tinha antes de viver essa relação. E, como alertam os especialistasSe não tiver, construa! É importante ter amigos e familiares que apoiam o seu crescimento sempre por perto.
Por fim, os profissionais são unânimes em dizer: sempre busque ajuda e orientação, seja de grupos mais próximos, como família, amigos e igreja, seja de terapeutas, psicólogos e médicos. Além disso, mulheres que estão sofrendo violência doméstica de qualquer tipo podem pedir orientação na Central de Atendimento à Mulher, discando 180.