Arthur do Val pode ficar inelegível por oito anos mesmo após renúncia, dizem especialistas

O deputado estadual Arthur do Val, em foto de arquivo. — Foto: José Antonio Teixeira/Alesp

O deputado estadual Arthur do Val, em foto de arquivo. — Foto: José Antonio Teixeira/Alesp

Apesar de ter renunciado ao mandato de deputado estadual nesta segunda-feira (20) para escapar do processo de cassação na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), Arthur do Val (União Brasil) ainda pode ficar inelegível pelos próximos oito anos, segundo os juristas ouvidos pelo g1.

De acordo com eles, a Lei da Ficha Limpa prevê que um parlamentar que renuncie ao mandato para fugir de qualquer tipo de cassação possa ser enquadrado como “ficha suja”, desde que a Casa Legislativa leve adiante o processo instalado por quebra de decoro.

“A Lei da Ficha Limpa mudou as hipóteses de inelegibilidade. Se uma Casa Legislativa finaliza um processo e conclui que um parlamentar é culpado por determinado crime, ele pode ser enquadrado como inelegível por oito anos. Mas esse enquadramento só poderá ser feito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e se o parlamentar ‘ficha suja’ se apresentar novamente como candidato a algum cargo eletivo”, afirmou o professor de Direito Eleitoral do Mackenzie Diogo Rais.

O parecer pedindo a cassação de Arthur do Val já havia sido aprovado no Conselho de Ética da Alesp em 12 de abril e tinha sido encaminhado para a Mesa Diretora da Casa para ser apreciado pelo plenário, em forma de projeto de resolução.

Para que a pena de cassação sugerida pelo colegiado seja executada, o projeto precisa ser aprovado por 48 dos 94 deputados estaduais da Alesp, a chamada “maioria qualificada”.

g1 procurou a assessoria de comunicação da Alesp para saber qual a situação atual do processo de cassação contra Arthur do Val na Casa, mas a Mesa Diretora disse que o deputado ainda não protocolou a carta de renúncia do mandato. Por isso, não se sabe ainda qual a tramitação que o processo de cassação terá após o parlamentar deixar formalmente o cargo.

“Em 2005, no auge do mensalão, o Supremo Tribunal Federal já tinha decidido que a renúncia não inibe a tramitação de um processo no Poder Legislativo. Ele pode ser votado e concluído, mesmo que o representado esteja fora do cargo”, afirmou o advogado Acácio Miranda da Silva Filho, especialista em Direito Constitucional e Eleitoral.

 

Os juristas Diogo Raiz, professor do Mackenzie, e Acácio Miranda da Silva, especialistas em Direito Eleitoral.  — Foto: Montagem/g1/Divulgação

Os juristas Diogo Raiz, professor do Mackenzie, e Acácio Miranda da Silva, especialistas em Direito Eleitoral. — Foto: Montagem/g1/Divulgação

“Se o Poder Legislativo concluir pelo arquivamento de um processo ou pela inocência do parlamentar que renunciou ao cargo após a abertura de processo, os pressupostos ou hipóteses de inelegibilidade não se enquadrariam na Lei da Ficha Limpa. E já há jurisprudência no TSE liberando a candidatura nesses casos”, disse o professor Rais.

Acácio Miranda lembra que os pressupostos de inelegibilidade são constitucionais e, em tese, valem também para qualquer cargo de indicação política de livre provimento na esfera pública.

“Um parlamentar que é condenado no Poder Legislativo, mesmo que tenha renunciado, não pode nem assumir cargo público como secretário, assessor ou especialista. Agora, se ele for absolvido ou teve o processo arquivado, a discussão morre aí, e ele está livre para assumir qualquer cargo público ou mesmo se candidatar”, afirmou.

Renúncia

 

“Sem o mandato, os deputados agora serão obrigados a discutir apenas os meus direitos políticos e vai ficar claro que eles querem na verdade é me tirar das próximas eleições”, disse do Val em nota divulgada no início da tarde.

“Estou sendo vítima de um processo injusto e arbitrário dentro da Alesp. O amplo direito a defesa foi ignorado pelos deputados, que promovem uma perseguição política. Vou renunciar ao meu mandato em respeito aos 500 mil paulistas que votaram em mim, para que não vejam seus votos sendo subjugados pela Assembleia. Mas não pensem que desisti, continuarei lutando pelos meus direitos.

 

Na nota de renúncia, o parlamentar também disse que “continuará lutando pelos seus direitos” políticos.

“Vou renunciar ao meu mandato em respeito aos 500 mil paulistas que votaram em mim, para que não vejam seus votos sendo subjugados pela Assembleia. Mas não pensem que desisti, continuarei lutando pelos meus direitos”, disse Arthur do Val.

Conselho de Ética da Alesp

 

O processo pedindo a cassação de Arthur do Val foi aprovado no Conselho de Ética da Alesp no último dia 12 de abril. Os nove membros do conselho acataram o parecer do relator Delegado Olim (PP), que viu quebra de decoro parlamentar no deputado após a divulgação de áudios machistas sobre refugiadas ucranianas, vazados no início de março, durante viagem para suposta ajuda humanitária ao país.

Após a aprovação do parecer no colegiado, o processo seguiu para a Mesa Diretora da Casa, que ainda não tinha definido data para a votação em plenário da proposta da cassação, em formato de projeto de resolução.

Durante a reunião do colegiado que decidiu pela cassação dele, Arthur do Val disse que a medida era “desproporcional” e uma “perseguição política”.

“Muita gente aqui é escravo de um Lula e um Bolsonaro. Eu não sou. Quero novamente pedir desculpas a todas as pessoas que se ofenderam com a minha fala. Mas quero deixar claro: vocês vão cortar minha cabeça. Eu sei que vão. Mas vão nascer mais no lugar”, afirmou em 12 de abril.

O que dizem os áudios?

 

Nos áudios, que circularam nas redes sociais e teriam sido enviados para um grupo de amigos do parlamentar, há declarações machistas e misóginas.

“São fáceis, porque elas são pobres. E aqui minha carta do Instagram, cheia de inscritos, funciona demais. Não peguei ninguém, mas eu colei em duas ‘minas’, em dois grupos de ‘mina’. É inacreditável a facilidade. Essas ‘minas’ em São Paulo você dá bom dia e ela ia cuspir na sua cara e aqui são super simpáticas”, diz o áudio

As declarações teriam sido feitas durante viagem à Ucrânia. Ele disse ter viajado para enviar doações para refugiados ucranianos após a invasão da Rússia ao país.

“Acabei de cruzar a fronteira a pé aqui, da Ucrânia com a Eslováquia. Eu juro, nunca na minha vida vi nada parecido em termos de ‘mina’ bonita. A fila das refugiadas, irmão. Imagina uma fila de sei lá, de 200 metros ou mais, só deusa. Sem noção, inacreditável, é um bagulho fora de série. Se pegar a fila da melhor balada do Brasil, na melhor época do ano, não chega aos pés da fila de refugiados aqui.”

 

Em outro trecho, o áudio diz: “Passei agora quatro barreiras alfandegárias, duas casinhas pra cada país. Eu contei, são doze policiais deusas. Que você casa e faz tudo que ela quiser. Eu estou mal cara, não tenho nem palavras para expressar. Quatro dessas eram ‘minas’ que você se ela cagar você limpa o c* dela com a língua. Assim que essa guerra passar eu vou voltar para cá”.

O que o deputado disse sobre os áudios?

 

Ao desembarcar no Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos, na Grande São Paulo, o deputado estadual confirmou que são seus os áudios machistas.

Inicialmente, ele disse que “houve um mal entendido” e que as “pessoas estão misturando os áudios com outro contexto”.

“Foi errado o que eu falei, não é isso que eu penso. O que eu falei foi um erro, em um momento de empolgação“, declarou.

 

Depois, o deputado gravou um vídeo no qual declarou que suas frases foram “machistas” e “escrotas” e afirmou que se comportou “como um moleque” ao responder a perguntas de amigos em um grupo de conversas entre parceiros do futebol.

“Eu só quero que as pessoas me julguem pelo que eu fiz, não pelo que eu não fiz”, disse o deputado.

Segundo Arthur do Val, os áudios não foram enviados a grupos “de política” e ele já estava na Eslováquia, quando teve acesso a internet, ao enviá-los.

Por Rodrigo Rodrigues, g1 SP — São Paulo
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